GESTÃO DA ÁGUA...ou crime continuado ?
- O INCONFIDENTE
- 15 de jun. de 2022
- 6 min de leitura
…Violação vezes sem conta do mesmo bem jurídico, uma execução homogénea. É este, no essencial, o conceito de crime continuado.
É mais ou menos aquilo que está a acontecer com a gestão da água no perímetro de rega do Mira.
Como o Estado não tem vocação para gerir o que quer que seja, nem sequer um recurso mais básico como é a água, optou por concessionar a entidades com um estatuto juridico hibrido, a utilização dos equipamentos afectos ao perímetro de rega, bem como a “venda” do bem público água.
Esta concessão está, obviamente, sujeita a um contrato. É aí que se estabelecem as regras de utilização da água, os direitos e deveres de cada um dos intervenientes no contrato, os cuidados na gestão, ao nível, por exemplo da ecologia do Rio Mira, deveres da concessionária relacionados com a qualidade da água e o modo como a mesma está a ser usada.
Faz todo o sentido. Pois se o Estado vai ceder esta gestão de um bem tão fundamental como é a água, pois que o faça com todos os cuidados. Preservando o interesse público, a manutenção do recurso e a segurança na sua utilização.
MAS NADA DISTO SE VERIFICOU E NADA DISTO SE VERIFICA AGORA
Já em épocas em que a crise hídrica já existia, mas não era tão pronunciada como agora, já nessa altura havia incumprimento do contrato de concessão por parte da associação de beneficiários do Mira e o Estado Português, no caso, representado pelo Ministério da Agricultura. Deus no ajude com estes personagens …
Só a título de exemplo …
Há uma coisa que se chama caudal ecológico, ou seja, em termos muito simples, aquele mínimo de água que, não obstante o fornecimento de água para a agricultura ou para o consumo doméstico, tem que ser libertado para o rio, caso contrário e em altura de seca, o rio morre. NO RIO MIRA ESTE CAUDAL ECOLÓGICO NÃO ESTÁ A SER CUMPRIDO. É preciso vender toda a água que seja possível. Afinal esse é o negócio da Associação de Beneficiários do Mira.
Outro exemplo…
Também faz parte do contrato de concessão que a ABM tem que reportar ao concedente o tipo de culturas existentes nas várias explorações, o sistema de fertilização usado, bem como o controlo de infestantes. Porquê? As culturas não são todas iguais. Umas consomem mais água que outras e do que estamos a falar é do uso de um recurso estratégico e absolutamente essencial, a água.
E também é necessário saber se andam a envenenar a água, o tal bem estratégico e essencial. Pois, digo-vos que NUNCA este reporte foi feito e nunca foi feito e as autoridades nunca o exigiram. Uma completa inércia e uma completa negligência. Aliás ficou bem patente a ignorância que a própria ABM tem sobre o contrato de concessão quando o seu principal responsável vem confessar em plena TV nacional (minuto 3:58 até ao minuto 4:12) que nem sequer tem essa informação.
Portanto, a falta de água não tem a ver apenas com a falta de chuva. Tem a ver com a incompetência da ABM para gerir o recurso água e tem a ver com a incúria do Estado.

Neste momento temos uma realidade nova. Uma seca persistente e que é, desde Novembro de 2021, classificada pelo IPMA como severa; temos hectares e hectares de culturas que para sobreviver necessitam ser regadas todos os dias; temos um máximo de água (1000m3) para cada beneficiário. Quando fez as contas, a ABM concluiu que esse seria o volume de +agua que caberia a cada beneficiário para a campanha de rega para 2022, tendo em conta o volume de água na barragem. Muitos pediram 2000m3 ; não há água para todos e estudam-se várias “soluções”.
A solução que surge da cabeça dos senhores da ABM, mas também da cabeça das empresas agrícolas é ir buscar a água da Barragem de Santa Clara a uma cota cada vez mais baixa. Vamos a alguns números:
o A um nível máximo de cheia a cota da barragem é de 132
o O nível mínimo de exploração, ou seja, o nível em que a água não necessita ser bombeada, saindo por gravidade, é de 114,70. Tudo o que for menos do que isso, necessita ser bombeado, a custos que se desconhecem, mas que certamente devem ser bastante consideráveis.
o O sistema de bombagem instalado permite ir buscar água à cota 109,5
o Neste momento está autorizado o reforço do sistema de bombagem para recolha de água à cota 108.
o Já há um pedido à APA para que a cota desça para 106.
Mas, paralelamente a estas movimentações, mais ou menos oficiais, há as outras, as movimentações daqueles que, pelo sim, pelo não, vão tratando da sua vidinha e vão fazendo furos, legais ou ilegais, é algo que vamos apurar.
Paralelamente há uma corrida a terrenos agrícolas não explorados que passam a significar mais 1000 m3 de água disponível.
No horizonte há a seca, o assalto aos recursos, o facto de se desconhecer o impacte nos aquíferos, a possibilidade de existir infiltração de água salobra. Afinal alguns destes furos estão a ser feitos a menos de 900 metros da costa e uns meros 60 metros acima do nível do mar.
Eis o requerimento que remetemos à ARH Alentejo:
EX.MO SENHOR DIRECTOR REGIONAL DA ARH -ALGARVE / ALENTEJO (id. do requerente) ---------------, vem requerer a V.Ex.ª o seguinte: Considerando que, · Nos termos do artigo 19.º al. a) do Decreto-Lei 226-A/2007 de 31 de Maio carecem de emissão de licença prévia as utilizações privativas dos recursos hídricos referidos na Lei da Água e a realização de trabalhos de pesquisa e construção para captação de águas subterrâneas no domínio publico. · Ainda decorrente do mesmo Decreto-Lei 226-A/2007 de 31 de Maio, o seu artigo 28.º prevê uma revisão dos títulos de utilização. Essa revisão pode ocorrer quando se verificar uma alteração das circunstâncias de facto existentes à data da emissão do título, nomeadamente a degradação das condições do meio hídrico (al. a)) ou se se verificar uma seca, catástrofe natural ou outro caso de força maior. · De acordo com o artigo 32.º do mesmo diploma, os títulos de utilização podem ser, total ou parcialmente, revogados nas condições ali indicadas · Nos termos do artigo 41.º n.º 2 do mesmo diploma 2 - A pesquisa e a execução do poço ou furo estão sujeitas aos seguintes requisitos: a) Na execução da obra, seja qual for a sua finalidade, deve proceder-se de modo a que não haja poluição química ou bacteriológica da massa de água subterrânea a explorar, quer por infiltração de águas de superfície ou de escorrências, quer por mistura de águas subterrâneas de má qualidade; b) Os poços ou furos de pesquisa e captação de águas repuxantes são munidos de dispositivos que impeçam o desperdício de água; c) No caso de a pesquisa resultar negativa ou haver necessidade de substituição da captação em virtude de erro técnico, a empresa executora dos trabalhos é responsável pela reposição do terreno na situação inicial e de acordo com as indicações da autoridade competente; d) É observado um afastamento mínimo de 100m entre as captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea, podendo, quando tecnicamente fundamentado, a ARH definir um limite diferente. Considerando o supra exposto, os requerentes solicitam que lhes seja prestada a seguinte informação: 1) Para o período de Novembro de 2021 até ao presente momento, quantas licenças para utilização privativa de recursos hídricos foram emitidas pela ARH – Algarve / Alentejo? 2) Quantas licenças para utilização privativa de recursos hídricos foram emitidas por essa ARH, desde 2018 até novembro de 2021? 3) Dos títulos de utilização emitidos no período supra indicado quanto foram objecto de revisão tendo em conta, ou a degradação das condições do meio hídricos, ou os dados da monitorização indicarem não ser possível atingir os objectivos ambientais; ou por virtude de uma seca (que se verifica, pelo menos, desde 2018), catástrofe natural ou outro caso de força maior. 4) Dos títulos emitidos quantos não têm procedido ao envio dos dados relativos ao autocontrolo de acordo com a periodicidade exigida no próprio título? 4.1. e, face à resposta à questão anterior, quantos autos de contraordenação foram instaurados? 5) Desde 2018 quantos autos de contraordenação foram instaurados por falta de obtenção de um título de utilização. Em resultado da imposição de limites, mais concretamente 2000m3/ha para a actual campanha disponibilizados por parte da Associação de Beneficiários do Mira na qualidade de concessionária do perímetro de rega do Mira e face à desproporção evidente deste valor, relativamente aos consumos manifestados nos relatórios anuais para diversos tipos de culturas, há notícias relatadas por cidadãos, de empresas agrícolas a realizarem captações de águas subterrâneas através de furos. Só dessa forma poderão manter o caudal que lhes permitirá continuar a exercer a sua actividade agrícola. Tendo em conta o supra exposto, requeremos saber: 1) Desde o início do corrente ano, quantos títulos para captação de águas subterrâneas foram emitidos a empresas e/ou indivíduos cujas explorações agrícolas se localizam no perímetro de rega do Mira? 2) Durante o corrente ano, quantos autos de contraordenação foram emitidos por essa ARH que tenham tido como arguidos empresas e/ou indivíduos cujas explorações agrícolas se localizem no perímetro de rega do Mira ?
E.D. O requerente
Quem quiser usar este requerimento para pedir informações à ARH sobre este assunto, faça favor…
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